Coluna da Drika: E gordofobia é o que, mesmo?

A colunista Drika Lucena fala sobre a violência contra a mulher gorda, de críticas cruéis e preconceituosas a receitas milagrosas para emagrecer

Dia desses circulou uma entrevista com a mulher mais magra do mundo que pesa 25 kg e mede 1,57 m. Ela disse que todos os dias recebe centenas de mensagens pedindo receitas e dicas de como ficar magra. Por outro lado, a mulher mais gorda do mundo, pesando 470 kg, vinha conseguindo uma perda de peso bastante satisfatória, porém recentemente faleceu antes de concluir seu tratamento.

A notícia foi amplamente divulgada e o que se viu foram comentários do mais puro exemplo de ódio gratuito, que iam de “já foi tarde, agora acaba a fome no mundo”, “que nojo, imagina o cheiro disso” a “comem e depois culpam os hormônios” e “não existe cremação pra isso, só implosão”. Detalhe: não era apenas perfis fake a comentar, eram pessoas de todos os gêneros, idades, religiões, classe social.

A maioria das pessoas culpava a moça e também à “onda de influencers gordas” querendo que o povo se ame, dizendo que é bonito ser gordo e que ficam “romantizando a obesidade”.

Quando escuto “romantizar” já sei que a pessoa realmente não entendeu nada de nada. Claramente deve ser aquela que associa magreza à beleza e felicidade, que acha que magreza salva casamento, evita traição, e que é garantia de ser saudável.

Tenho vivido uma espécie de dicotomia, porque ao mesmo tempo que me desperta gatilhos quando leio certas coisas, também sinto que é importante para que eu jamais esqueça que o problema nunca esteve em mim, e sim na sociedade preconceituosa, cruel e que se acha dona da verdade.

 

Antes de mais nada, é importante dizer que cada pessoa tem liberdade de ser quem quiser.

 

Antes de mais nada, é importante dizer que cada pessoa tem liberdade de ser quem quiser. Têm gordos que querem permanecer gordos, têm aqueles que querem emagrecer a todo custo, têm os que conseguem, têm os que fazem de tudo e não obtém êxito, tem os que, apesar de quererem, não podem por muitas questões; enfim, cada um com a sua história e desejo.

Incentivar alguém a engordar ou a permanecer gordo é totalmente diferente de incentivar a se amar, se respeitar e se olhar com menos repulsa. Ao que me consta, comum mesmo é ensinar a emagrecer com dietas milagrosas e sem cuidado, é fazer postagens enganosas sobre dietas, prescrição de bariátrica sem indicação, promessas de perda de 10 kg em duas semanas e por aí vai. Ninguém critica e, ao contrário, adora esse tipo de conteúdo.

O uso de medicação sem receita é outra coisa super comum e nem por isso é visto como algo errado. Todo mundo quer um “veneninho” pra secar, não importa a procedência. Vacina o povo tem medo, vai entender?

São inúmeras postagens que cobram o corpo X ou Y e que muitas vezes são responsáveis pelo desenvolvimento de compulsão e outros transtornos alimentares. Ninguém liga pra isso também.

Não há nada de errado em tentarmos aumentar a autoestima de pessoas gordas. Gostar de si mesmo é essencial para vida de todo mundo. Acontece que o gordo é induzido a se odiar, se esconder,  se culpar e se punir. Alguns levam uma vida inteira e não conseguem encontrar seu valor, por acreditarem que ser gordo é feio, que gordo não casa, não tem filhos, não é amado, não arruma emprego, não é útil.

Pessoas são cruéis e o preconceito às vezes mata mais que a gordura. A ansiedade, a depressão, o pânico e tantas outras questões psicológicas são geradas pela discriminação e o resultado é quase sempre o aumento de peso, o efeito sanfona, a distorção de imagem, e o peso descontrolado.

Muito se fala que pessoas gordas ficam deprimidas e sofrem com mudanças emocionais porque engordaram e não se gostam assim. Já pensaram em quantas pessoas também desenvolveram tais transtornos justamente porque foram humilhadas, excluídas e ridicularizadas? Quantos engordaram ainda mais depois de passar por situações assim?

Existe uma parcela da sociedade que vê o gordo como folgado, preguiçoso, que não se esforça pra emagrecer, que come o dia inteiro e que merece não ter acesso ao mínimo, como todo ser humano tem.  Esse mesmo grupo tem as regras prontas pra emagrecer todo mundo e as respostas lacradoras na ponta da língua quando o assunto é gente gorda.

Essas pessoas que enchem a boca pra falar que romantizamos gordura e que obesidade é doença são as mesmas que não medem palavras pra humilhar e fazer piadas sem nenhum medo de ofender. A “doença” que gera piada, que todo mundo tira sarro, humilha, e aquela que o acometido é visto como o único culpado da sua condição. Animalizam nossos corpos e nos excluem dos direitos básicos de ir e vir, dos romances e afetos, do mercado de trabalho, da chance de existir sem ser alvo de insultos o tempo inteiro.

A sociedade desqualifica nossas causas como se não tivéssemos nenhum direito de vestir boas roupas, de estarmos bem acomodados nas cadeiras em locais públicos, de ter um atendimento descente e humano nas clínicas e hospitais, de usarmos aparelhos nas academias. É muito triste mendigar direitos e ainda saber que a maioria das pessoas pensam que se queremos tudo isso é só emagrecer e se enquadrar nos padrões.

O que fazer enquanto não emagrecemos como os “senhores” desejam? E se nunca formos magros? Falam em tratar, fazer exercício, buscar ajuda e por acaso sabem como somos tratados nos hospitais e por muitos profissionais da saúde? Sabem como a negligência médica com a população gorda é uma das maiores causas de complicações e surgimento de doenças nesse grupo?

Sabem também que uma pessoa gorda que emagreça 10% do seu peso e pratique exercícios regularmente, ainda que continue gorda, têm alguns riscos diminuídos? E que a obesidade controlada já é mais eficaz para alguns casos do que uma dieta extremamente restritiva? Sabiam que muitas pessoas engordam por genética, por medicação, por problemas hormonais, por traumas, por “n” fatores que não a alimentação?  Devem saber também que só o fato de ser magro não garante a ninguém saúde plena?

Simplificar um tratamento é tão grave porque coloca todo mundo no mesmo balaio, e deixa de lado as questões individuais que tornam cada caso um caso a ser estudado à exaustão com respeito, cuidado e detalhamento que todo ser humano merece.

Acredito que as pessoas precisam mudar seus conceitos, olhar mais para si mesmas, parar de cobrar coisas que nem elas fazem, entender que o ser humano é diverso e que nem tudo que é bom pra mim será bom para o outro e que sentimentos são individuais também.

Não é porque você foi gordo e se odiava, ou é gordo e não consegue amarrar seu tênis, ou que está infeliz com seu corpo, que sabe tudo que se passa na vida das outras pessoas gordas. Não há fórmula para medir o que o outro sente. Parem com essa mania. Falar da sua experiência não tem problema algum, mas tornar sua vivência a regra do universo é tão ignorante quanto egocêntrico.

Quando o assunto “corpo gordo” é colocado em pauta é uma chuva de desrespeito; todo mundo aponta o dedo com tanta convicção sem nem conhecer, surgem os especialistas, as receitas infalíveis,  é quase uma inquisição.

 

A coletividade nos impõe certos padrões, crenças e comportamentos que leva ao linchamento dos que fogem à regra.

 

A coletividade nos impõe certos padrões, crenças e comportamentos que leva ao linchamento dos que fogem à regra. É difícil mudar uma cultura, mas se cada um muda individualmente mais cedo ou mais tarde o grupo todo aprende o novo.

Os gordos são apenas pessoas querendo existir com dignidade e com todos os direitos assegurados. Assim como todo mundo queremos pertencer sem julgamentos, imposições e achismos.

Caso não saibam, tá na constituição, Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

A gordofobia nasce aqui, justamente no não cumprimento desse artigo, tornando o gordo invisível perante tais direitos. Não estamos falando apenas de “hater” que tem como esporte humilhar pessoas em sua vulnerabilidade. Estamos falando de morrer dentro de uma ambulância apenas por ser gordo. Gritamos para que a forma física de ninguém determine se a pessoa tem ou não direito a ser respeitada, a ter tratamento médico, a acessibilidade, emprego, lazer, vestir, pertencer.

Vocês dizem: “não é por estética, é pela saúde”. E nós dizemos: não é por falta de vergonha na cara, por vitimização ou por romantismo de nada, é por existir e viver dignamente.

 

(*) Drika Lucena é santista e professora universitária nas áreas de História da Arte, Estética, Produção de Arte, Criatividade, Tendências em Moda, Escrita Criativa e Estudos da Sociedade Contemporânea. Publicitária, Artística Plástica, especialista em Criação Visual e Multimídia, atuou como Redatora Publicitária e diretora de arte e desde sempre respira vive a paixão pela docência. Estudiosa da Cultura Brasileira, Cultura Popular, Criação e Inovação, ministra palestras, workshop, oficinas e mentorias. Drika fala de autoestima, autocuidado, sexualidade, dores e amores, vida e transformações da mulher real. Seu instagram é o @_drika_lucena

 

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