E se o amor de que fala Marisa Monte na canção Amor I Love You fosse, na verdade, o amor próprio? Foi ouvindo essa música em seu quarto que a dramaturga Gabriela Januário se pegou refletindo: para quem eu diria “Deixa eu dizer que te amo… Deixa eu gostar de você… Isso me acalma, me acolhe a alma… Isso me ajuda a viver”?
Dessas inquietações nasceu Deixa eu dizer que te amo agora ganha vida como espetáculo da Cia. Encorpas, com estreia marcada para maio, no Rio de Janeiro. A cena curta foi eleita em 2024 pelo Júri Popular do FESTU – Festival de Teatro Universitário como Melhor Esquete.
A Cia. Encorpas nasce a partir da criação de Deixa eu dizer que te amo, idealizada inicialmente pelas atrizes Gabriela Januário, Gabrielly Sant’Anna e Ruth Ciribelli. As três perceberam, desde o início, o quanto o projeto era potente — grande demais para ser vivido sozinhas. Entenderam que era preciso convocar outras mulheres para ocupar espaços de destaque.
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Assim surgiram os convites para Stephanie Dourado, Jullyana Ferreira, Marília Ciribelli, Amanda Barroso, Mariana Marton e Thaiana Telles. Cada nome carrega uma potência única, e a escolha de cada integrante teve como preocupação central a visibilidade de mulheres gordas — historicamente silenciadas ou invisibilizadas.
“A Cia. Encorpas vai além de um grupo teatral. É uma rede de apoio, um espaço onde criamos juntas, pesquisamos, debatemos e desabafamos. Um lugar onde nos enxergamos umas nas outras, onde nos acolhemos e nos escolhemos sem julgamentos. Aqui, podemos ser o que quisermos, livres de adjetivos que tentem reduzir nossos corpos. E é essa força que queremos compartilhar com quem nos assistir”, declara a produtora Thaiana Telles.
Representatividade em cena
Formada 100% por artistas gordas, a Cia. Encorpas enfrenta diariamente as violências da gordofobia. No entanto, escolheu transformar essas dores em discurso — e também em celebração. Celebração das existências, dos sonhos e das relações atravessadas pelo afeto.
O espetáculo propõe reflexões importantes, especialmente para quem ocupa lugares de maior conforto na sociedade. Thaiana Telles explica que a escolha de uma equipe composta exclusivamente por mulheres gordas não é por acaso. É, acima de tudo, um gesto político e simbólico de quebra de estigmas.
“Acreditamos que precisamos mostrar ao mundo que somos profissionais capacitadas. Mais do que isso, precisamos nos reconhecer entre nós, entender que podemos — e devemos — estar em qualquer lugar que quisermos. Porque, juntas, somos mais fortes. Temos vivências diferentes, mas nos encontramos nesse espaço comum enquanto artistas”, afirma Thaiana.
Ela completa: “O nosso corpo chega antes de qualquer coisa — e com ele, muitas vezes, vêm os julgamentos. No Teatro, isso se intensifica. Por isso, é fundamental deixar claro: nossos corpos são capazes de estar em cena, interpretar os mais diversos personagens e falar sobre qualquer assunto. Estamos prontas — todas nós, dentro e fora dos palcos.”
Deixa eu dizer que te amo
O espetáculo Deixa eu dizer que te amo busca ser um acalanto. Um convite para que pessoas gordas possam se reconhecer, se acolher e desenvolver um olhar mais afetuoso para si mesmas. Ao mesmo tempo, a obra propõe uma reflexão a quem não é gordo, mostrando como preconceitos e violências — muitas vezes naturalizados — são reproduzidos em nossa sociedade, inclusive de forma inconsciente.
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A trama mergulha na história de três meninas que enfrentam a gordofobia desde a infância. Comentários, cochichos, olhares e reações revelam o desprezo por seus corpos — ora sutis, ora escancarados — e acompanham cada uma delas ao longo da vida. Essas vivências moldam profundamente quem elas se tornam.
Além disso, o espetáculo destaca o poder da mente e das memórias. Preconceitos internalizados agem silenciosamente, muitas vezes se reproduzindo dentro de nós — até contra nós mesmos.
À medida que a narrativa avança, vemos como relações amorosas, familiares e a forma como nos percebemos influenciam diretamente nossa trajetória. Em determinado momento, essas três personagens, que inicialmente contam suas histórias de maneira isolada, se encontram. Juntas, formam uma rede de apoio. É a partir dessa união que começam a se reconectar consigo mesmas e a se fortalecer socialmente, redescobrindo o que realmente importa.
O que une essas três histórias — além de serem vividas por corpos gordos — é um segredo. Um fio condutor que só será revelado a quem estiver na plateia.
A obra estreia no Teatro Gonzaguinha, no centro do Rio de Janeiro, em duas temporadas: 22, 23 e 24 de maio, e também nos dias 29, 30 e 31.