Quando era criança, minha mãe me levava para comprar roupa e lembro bem desses momentos porque sempre foram difíceis, vexatórios e até humilhantes.
O problema já começava na escolha da peça “adequada” para uma garotinha gorda, e seguia nas mais diversas questões que envolviam essa tarefa aparentemente simples. As roupas para a minha idade não serviam, daí ia pra outra seção e era a mesma coisa. Minha mãe me colocava no provador e me obrigava a experimentar um monte de peças que eu só de olhar já sabia que não cabiam, mas ela insistia.
Escutava por dias que precisava emagrecer pra caber nas roupas e ficar arrumada igual às outras meninas da minha idade
As tentativas em vão eram um verdadeiro martírio porque eu ficava incomodada demais, ela perdia a paciência e íamos embora sem levar nada. Depois, escutava por dias que precisava emagrecer pra caber nas roupas e ficar arrumada igual às outras meninas da minha idade. Uma vez fiquei apaixonada por uma saia jeans cheia de babadinhos, mas não serviu. Ela comprou mesmo assim.
Lembro o quanto eu queria caber nela e minha mãe tentava fazer disso a minha motivação pra que eu perdesse peso. Ela não tinha ideia, mas aquilo me deixava ansiosa, triste e eu comia escondido dela e de mim também.
Foi sempre assim: eu tentando entrar na roupa, as costuras estourando, a vendedora mostrando a loja inteira, eu triste e a volta pra casa frustrada. Com os uniformes da escola era a mesma coisa, porque à pronta entrega só os tamanhos básicos para crianças “normais”. Pra mim eram feitos sob medida e quase sempre em tecido diferente, ou no tom ou na elasticidade, e na escola virava piada na sala. Até com a beca na faculdade foi isso.
Com os sapatos era outra dificuldade, porque com um pé 34 e gordo ficava difícil algum que ficasse realmente bom e confortável. As vezes nem bolsa por ter alça curta, nem bijuterias porque ficavam apertadas; e os cintos muito menos.
As tais compras terminavam comigo chorando e minha mãe me levando numa loja de tecido pra poder mandar fazer na costureira. Eu ficava arrasada porque isso virava assunto na família e entre as amigas da minha mãe, e eu ouvia tudo e sentia muita vergonha.
Eu sonhava em ter uma calcinha com desenho infantil e lacinho mas sempre usava as chamadas “calçolas” todas iguais, rosa, bege ou branca.
Fui crescendo e nada mudou. Encontrar uma loja de roupa grande era raridade, e as que tinham seguiam aquela linha de moda senhora. Restava ir às lojas masculinas e me vestir de homem durante toda adolescência e juventude.
Eu sempre fui vaidosa, brincava com as roupas da minha mãe, usava os sapatos, fazia maquiagem e essa era a minha brincadeira favorita. Amava o espelho e até isso mudava por conta dos comentários.
Nas minhas fases mais animadas eu mesma customizava as roupas, se a peça fosse pequena mandava alargar. Quando encontrava algo legal, comprava de todas as cores. Uma vida resumida a usar a roupa que servia e não a que eu de fato queria que coubesse.
Lembro que um grande constrangimento era quando a vendedora abria a peça com as mãos pra mostrar o quanto era grande. As vezes elas diziam que ia servir sim porque era “gigante”. Isso esbarra numa coisa complexa que merece ampla discussão, que é o treinamento e a estrutura adequados para atender o público gordo.
Eu posso dizer que passei a me vestir da forma como eu gosto há uns dez anos no máximo. Eu tenho 50. É indignante você não ter acesso ao mínimo, que é se vestir como quer. A roupa é muito importante porque ela nos apresenta ao mundo, mostra nossa personalidade; o vestir-se bem é dignidade.
Viver em roupas “quebra galho”, com zero conforto, apertadas, machucando, feitas sem pensar no nosso corpo de fato, é triste e frustrante. Só entende e sabe quem realmente passou e passa por isso todos os dias.
Um dia eu li sobre uma feira de roupa plus size que iria acontecer em São Paulo. Era a segunda edição e me planejei muito para conseguir ir. Deu certo, e lá estava eu no Pop Plus. Eram 10 expositores e eu não lembro de ter ficado tão feliz em toda minha vida comprando roupa. Daquele dia em diante comecei a aguardar o Pop como se espera uma grande festa.
Eu queria que todos os gordos pudessem ir pra conhecer a sensação mágica de pisar naquele lugar.
Hoje eu sei o que é isso mesmo, porque meu coração fica realmente em festa. Eu queria que todos os gordos pudessem ir pra conhecer a sensação mágica de pisar naquele lugar.
Talvez eu nem saiba explicar em palavras tudo que invade meu coração, meu corpo e minha alma. E eu, que só queria achar uma roupa que servisse no meu quadril, acabei encontrando um universo inteiro.
O Pop é mais que comprar e servir em todas as roupas, lá é um lugar de gente, de vida, de reunião de pessoas que estão em sintonia sentindo a mesma alegria, o mesmo amor e a mesma emoção de se verem umas nas outras.
Juro, é uma experiência tão forte que o muito que eu disser será pouco, então me permito sentir. Sinto e vivo o amor, me sinto amada e abraçada, sinto que entrei num jardim e ele tá cheio de flores e passarinhos das mais diversas formas e cores. Sinto que ali é o meu lugar.
A gente percebe que cada marca presente – e hoje são inúmeras – toma o cuidado em fazer de tudo para que sejamos acolhidas, e isso é visto nas roupas, no atendimento, nos sorrisos, na forma especial em que nos olham e nos enaltecem. Nada disso tem preço, tem é valor.
Não tenho medo de parecer exagerada porque é mesmo assim, sem tirar nem por.
O Pop Plus é um reencontro com meu eu menina que chorava no provador, com aquela garotinha que sonhava em ter uma meia-calça, que se apertava pra caber nas roupas pequenas, nas mentes vazias, e nos corações frios. A cada edição que eu posso ir, reencontro um pouco mais dessa menina e a abraço, peço desculpas, dou carinho.
Somos muitas dessas meninas, só que nunca mais seremos sozinhas.
O Pop não é somente o lugar onde tem absolutamente tudo que nos cabe, onde respiramos afetividade e respeito, é bem mais que isso, é uma rede de apoio onde a gente se sente forte, poderosa e linda. É bom pertencer, é vital eu diria.
No Pop Plus aqueles passarinhos a que me referi voam livres porque lá não tem gaiolas, tem céu e ele é do azul mais lindo que já vi em toda minha vida.
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(*) Drika Lucena é santista e professora universitária nas áreas de História da Arte, Estética, Produção de Arte, Criatividade, Tendências em Moda, Escrita Criativa e Estudos da Sociedade Contemporânea. Publicitária, Artística Plástica, especialista em Criação Visual e Multimídia, atuou como Redatora Publicitária e diretora de arte e desde sempre respira vive a paixão pela docência. Estudiosa da Cultura Brasileira, Cultura Popular, Criação e Inovação, ministra palestras, workshop, oficinas e mentorias. Drika fala de autoestima, autocuidado, sexualidade, dores e amores, vida e transformações da mulher real. Seu instagram é o @_drika_lucena
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