Ser mãe de um filho gordo não deveria ser algo tão complicado e desafiador. Muitas mães acabam exagerando nas cobranças e nas falas que magoam e que em nada colaboram para a construção da autoestima desse filho. Mães são importantes demais porque quase sempre são o único e maior laço de afeto e amor que uma criança vai conhecer.
É muito doloroso perceber que sua mãe replica tudo aquilo que mais te fere enquanto criança gorda e principalmente não sentir o acolhimento e a proteção vinda do lugar que mais se espera.
Por outro lado é importante salientar que, além da diferença entre gerações, mães também são produtos do meio em que cresceram e em que estão inseridas. Culturalmente elas viveram e ainda transitam por ambientes machistas e gordofóbicos, sofrem pressão e são culpadas pelo corpo gordo do seu filho. A maioria ainda sente a necessidade de se manter magra para não fugir do padrão e também para agradar seus parceiros. Elas buscam um emagrecimento a todo custo, fazendo dietas e coisas malucas para ter um corpo “adequado” e aceito. Desde cedo o filho assiste a infelicidade da mãe sempre ligada à gordura, e a extrema felicidade sempre ligada à magreza.
Sentir culpa paralisa, corrói em silêncio e, nas relações entre mães e filhos, ela aparece dos dois lados e em todas as instâncias. A mãe leva a culpa do filho engordar; então ela culpa o filho. Ele sente que é culpa dele ser gordo e aumenta a culpa ainda porque a sociedade culpa sua mãe. É muito triste tudo isso, muito cruel com todos os envolvidos e explica muitas frustrações, complexos, lágrimas e relações estremecidas.
Em termos de comparação, as mesmas cobranças externas e internas acontecem no caso da mãe ser gorda. O assunto é tão extenso porque já começa na gestação. A gravidez é um momento lindo no qual a mulher precisa ter tranquilidade, carinho, cuidado e compreensão, mas se ela é gorda isso já virou um problema.
“A gravidez é um momento lindo no qual a mulher precisa ter tranquilidade, carinho, cuidado e compreensão, mas se ela é gorda isso já virou um problema”
Até chegar o parto, e bem depois dele, tudo será motivo para a nova mamãe ouvir que não vai conseguir brincar com a criança, que pode morrer antes dela crescer, que tá engordando muito, que filhos de mãe gorda já nascem com problemas e por aí vai.
Outra questão, ainda mais delicada, é do filho que sente vergonha da mãe ser gorda, e dele vêm as palavras que mais doem e que aniquilam com qualquer autoestima.
Muitas mulheres acabam acreditando que são mesmo uma vergonha para seus filhos e se escondem; deixam de ir nas reuniões da escola, nas festas, nos passeios e fazem de tudo para que seus filhos não sejam alvo das piadas vindas das outras crianças.
Podem imaginar a dor dessa mãe? Isso acontece todos os dias, podem acreditar.
Enquanto isso, é normal que o pai ocupe uma posição bem mais confortável; porque pouco ou quase nada cobram, culpam ou falam dele.
Nada disso precisa ser assim. Mulheres, quando tornam-se mães, mudam a vida pra sempre. É eterna essa missão. É um misto de amor e medo unido à uma louca vontade de acertar e uma necessidade quase que insana de proteger. Ela vai gerar uma vida, e nem sempre saberá ajudar a conduzi-la. Vai errar muito, e as vezes vai bagunçar a cabeça e o mundo dessa criança.
O diálogo é, de fato, um ponto importante porque dele vêm as reflexões, os questionamentos e os maiores aprendizados. É atrás da conversa que podemos dizer o que nos afeta e o que cada um pode fazer pra seguir a vida juntos e bem.
Filhos repetem ações. Filhos aprendem a amar. Essa relação é igual a um carrossel. Mães ensinam o amor, filhos aprendem sendo amados, crescem e têm seus próprios filhos e os ensinam tudo que aprenderam e assim é a roda da vida que segue girando e movimentando o ciclo do ora ensino, ora aprendo.
“Precisamos aprender e ensinar diferente, logo teremos homens melhores, mulheres mais libertas, crianças mais empáticas e convivências e relações mais amorosas e respeitosas.”
Precisamos aprender e ensinar diferente, logo teremos homens melhores, mulheres mais libertas, crianças mais empáticas e convivências e relações mais amorosas e respeitosas.
Minha mãe me levou a todos os médicos do mundo, quis me emagrecer à todo custo, fazia comparações com a minha irmã e com outras meninas magras, não me deixava usar certas roupas e me ensinava que era feio ser gorda como eu. Isso criou uma pequena distância entre nós, mas nunca por falta de amor e sim porque eu mesma me sentia mal por ser uma decepção e um fracasso. Eu pensava que era isso e me sentia culpada.
Falar eu te amo, abraçar e beijar nunca foi um hábito entre nós.
Envelheci, procurei entender melhor tudo e quis consertar o passado, mas permanecia achando que ela podia ter feito diferente em muitas ocasiões.
Na pandemia nos aproximamos e passávamos juntas umas 8 horas por dia. Veio, enfim, a oportunidade que eu tanto queria de resgatar essa relação e tentar reverter toda incompreensão, respostas duras e os inúmeros erros que eu também cometi como filha. Perdoar e ser perdoada.
Todas as vezes que ela entra na minha casa diz que eu sou perfeita, que eu estou maravilhosa, me enche de beijos, fica de mãos dadas e encosta a cabeça no meu ombro. Eu retribuo e aproveito o dengo.
A mamãe tem o Mal de Alzheimer e a doença vem destruindo a sua memória diariamente há 8 anos.
Eu que sempre tive pavor das coisas que são eternas, só queria que ela ficasse aqui pra sempre.
Não estou com isso dizendo que todas as mães são incríveis e boas. Sei de muitas relações difíceis e bem tristes, nas quais a única e saudável solução é o afastamento.
Só estou querendo mesmo propor a reflexão sobre a nossa criação, a dos nossos pais e a dos nossos filhos, ver e analisar esse mundo que ainda vive sob os resquícios de uma sociedade preconceituosa, patriarcal que fez as mulheres odiarem seus corpos e passarem a vida buscando um padrão burro e sem o menor sentido.
Será preciso começar de novo.
Eu acho que a doença da mamãe vêm apagando tudo que ela aprendeu, toda a forma dura que ela foi criada e só agora o seu lado mais doce e puro está aflorando de fato.
A mamãe continua me vendo gorda, só que agora ela me acha linda.
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(*) Drika Lucena é santista e professora universitária nas áreas de História da Arte, Estética, Produção de Arte, Criatividade, Tendências em Moda, Escrita Criativa e Estudos da Sociedade Contemporânea. Publicitária, Artística Plástica, especialista em Criação Visual e Multimídia, atuou como Redatora Publicitária e diretora de arte e desde sempre respira vive a paixão pela docência. Estudiosa da Cultura Brasileira, Cultura Popular, Criação e Inovação, ministra palestras, workshop, oficinas e mentorias. Drika fala de autoestima, autocuidado, sexualidade, dores e amores, vida e transformações da mulher real. Seu instagram é o @_drika_lucena
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