Coluna da Drika: Magra pra casar, gorda pra usar

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Coluna da Drika: Magra pra casar, gorda pra usar

Sabe aquela sensação deliciosa do primeiro beijo, do amor correspondido, do coração disparando pelo simples fato de perceber que está sendo paquerada? Sabe quando recebemos flores do nada, assim no meio do trabalho com aquele cartão lindo ou quando você é chamada pra jantar fora e fica horas escolhendo a roupa, o perfume, e quando ele vai te buscar elogia o tanto que está linda? Sabe quando o casal anda de mãos dadas, dança na chuva, quando toma café na cama e vão juntos pro chuveiro? Sabe a sensação de ser pedida em namoro, noivado, casamento, planejar os filhos, as viagens, apresentar às famílias, ou ouvir um “Eu te amo”?

As demonstrações de afeto provocam as mais gostosas sensações, e fazem as tais borboletas no estômago voarem incansáveis até que te deixem leve, sorrindo à toa e suspirando pelos cantos. Isso é a tal paixão dando sinais de que você vai viver um lindo romance.

Claro que parece coisa de adolescente, o filme da Sessão Da Tarde ou um conto de fadas água com açúcar. Eu sei que nem todo mundo passa por isso dessa maneira, mas sei também que a absoluta maioria dos gordos não vai passar, e isso sim não é ficção, é vida real.

A GORDA PARA USAR

Pessoas gordas não são para romance, mas são para realizar fantasias e fetiches sem nenhum cuidado, carinho ou mesmo respeito. É cruel isso que estou dizendo, eu sei que é. Entendam que não é generalizar, é apenas o olhar vindo dos relatos reais de muitos gordos aos seus terapeutas, psicólogos e até aos amigos e familiares.

Eu fui mais uma dessas gordas que na juventude nunca namorou, nunca foi beijada em público, nunca viveu um romance. Sempre tentei conviver com isso e não culpar o mundo, nem as pessoas porque afinal talvez eu fosse o “problema”.

A culpa me maltratou, me fez sentir preterida, excluída, horrível, indigna, chata, burra, tudo que pudesse explicar o porquê de ninguém querer me namorar. Hoje tenho clareza pra entender que para os homens da minha geração ser visto com uma menina gorda era motivo de chacota entre os amigos e muitos deles, ainda que quisessem, não seguravam o tranco. Pouca coisa mudou mas ao menos pra mim o amar e ser amada aconteceu anos mais tarde.

É muito comum que meninas se sujeitem a encontros secretos que devem se manter no anonimato. O cara quer, deseja, mas pede pra ficar escondido e em segredo porque nunca assumem uma relação. Aliás, muitos deles têm namoradas magras e exigem que essas assim permaneçam, alguns até ameaçam terminar o namoro se elas engordarem. Isso é outra discussão necessária: o amor que só resiste na estética X, na idade Y e na saúde.

Gordas são vistas como alvo fácil, carentes. Para muitos homens elas são as “boas” na cama; eles podem fazer qualquer coisa; elas se sujeitam a tudo, como uma espécie de compensação da “falta de beleza”. Já ouviram falar nisso?

 

Existe um abismo enorme entre ficar sozinho por opção e ser só por destoar de um padrão desejável

 

O resultado é que muitas vão viver a solidão a vida toda e outras vão passar por relacionamentos abusivos e permanecer por medo de ficarem sozinhas. Existe um abismo enorme entre ficar sozinho por opção e ser só por destoar de um padrão desejável.

Talvez vocês achem que é mentira e exagero pois existem homens e mulheres que gostam de gordos. Algumas gordas lendo esse texto dirão que nunca tiveram problemas quanto a isso e que têm seus companheiros amorosos e vivem muito bem com eles. Claro que sim, muitos gordos estão felizes nos seus relacionamentos e têm outros tantos que não querem ninguém e que também estão muito bem com isso. A reflexão aqui é clara, real e genuína: A maioria das mulheres gordas, principalmente as gordas maiores, vivem a ausência de afeto, romance, paixão e amor, e não são opção de “gosto” e escolha na sociedade em que vivemos.

 

NOSSO CORPO, UM FETICHE

Quando uma pessoa é colocada no lugar de fetiche de alguém, a não ser que seja consensual, é algo que pode gerar traumas. Corpos objetificados servem apenas para satisfazer os desejos alheios e a experiência nada tem a ver com carinho e delicadeza.

Outro dia li sobre os números que apontam que corpos dissidentes são muito procurados em buscadores de plataformas de conteúdo pornográfico. Essa é só uma evidência de que a pornografia também tem ligação direta com a solidão da mulher gorda e das fora do padrão de maneira geral e ainda induz o usar e jogar fora. A cartilha da pornografia prejudica todos nós.

A sociedade e o grupo em que a mulher está inserida deve ser observado porque culturalmente existe um tipo de pessoa pra casar, outro tipo pra “aproveitar” e um terceiro e mais marginalizado que serve apenas para usar sem filtro, de preferência no sigilo. O machismo extremo é o maior responsável pela padronização que resulta na formação do “gosto” geral e da exclusão seletiva. O padrão diz que gordos são feios e a mídia também colaborou com a construção e a manutenção disso.

Outro ponto é a patologizaçâo e as inúmeras culpas que são atribuídas ao dono desse corpo, tais como preguiça, desleixo, falta de força de vontade. É enraizada a ideia de que todo gordo é doente, é gordo porque não se cuida, é feio, sujo, e merece ser discriminado, excluido, humilhado e ridicularizado. Seguindo essa premissa, gordos não são dignos de respeito, acessibilidade, tratamento médico humanizado, inclusão e direitos iguais. Como querer receber afeto e amor num cenário desse?

 

Eu quero acreditar que cada vez mais pessoas se sentirão livres para amar quem quer que seja, que vão olhar o gosto e a atração de maneira mais ampla porém particular

 

É tão complexo tudo isso que vivemos a insegurança e a descrença de qualquer tipo de carinho, temos vergonha da gente e por vezes de expor o outro, fugimos até de olhares por medo da rejeição ou das mentiras. As mudanças estão aparecendo bem aos poucos. Em décadas subimos e descemos degraus e a evolução se arrasta. É difícil mudar mentalidades e cultura.

 

CARÊNCIA NÃO É BOA CONSELHEIRA

Eu quero acreditar que cada vez mais pessoas se sentirão livres para amar quem quer que seja, que vão olhar o gosto e a atração de maneira mais ampla porém particular. Pessoas são múltiplas em tudo que as compõem e essencialmente únicas. Por isso eu afirmo que ter interesse, se apaixonar e amar alguém não pode ser ciência exata.

Enquanto o mundo muda e as pessoas evoluem, é bom mudar também. O investimento no amor próprio, no auto cuidado, no olhar amoroso pra si mesmo, se admirar e parar um pouco de se culpar gera mais confiança para entrarmos numa relação em pé de igualdade. A carência não é boa conselheira. É preciso saber como dar e receber afeto. Nossa forma de agir também pode mudar a ação do outro.

Amar não é escolher por corpo, da mesma forma que ser escolhido não deve ser visto como salvação. Ser tratado bem e com respeito é apenas o mínimo para a construção de boas relações. O encontro entre duas pessoas tem que ser bom, gostoso, saudável, divertido e carinhoso. Qualquer coisa o contrário disso é livramento não ter.

 

(*) Drika Lucena é santista e professora universitária nas áreas de História da Arte, Estética, Produção de Arte, Criatividade, Tendências em Moda, Escrita Criativa e Estudos da Sociedade Contemporânea. Publicitária, Artística Plástica, especialista em Criação Visual e Multimídia, atuou como Redatora Publicitária e diretora de arte e desde sempre respira vive a paixão pela docência. Estudiosa da Cultura Brasileira, Cultura Popular, Criação e Inovação, ministra palestras, workshop, oficinas e mentorias. Drika fala de autoestima, autocuidado, sexualidade, dores e amores, vida e transformações da mulher real. Seu instagram é o @_drika_lucena

 

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