“Você não tem idade pra isso” é a frase que vai nos acompanhar a vida toda. Algumas vezes será porque não chegamos na idade certa e a maioria das vezes porque já passamos dela.
Todo mundo em algum momento da vida vai passar e ou presenciar alguém ser alvo do etarismo, preconceito e discriminação relacionados à idade, que são mais comuns no ambiente de trabalho e com pessoas mais velhas.
Acho super necessário que se fale à exaustão para que novas gerações possam abrir a mente, mudarem comportamentos e educarem seus filhos para pensarem de outra forma. Apesar de parecer uma pauta nova, eu vejo isso desde muito pequena e reflito muito pelas restrições e imposições quase sempre direcionadas às mulheres. Será impressão?
Mulheres são de fato alvo mais frequente? Homens também sofrem com o etarismo mas as mulheres experimentam o preconceito em todos os âmbitos e até dentro de casa.
O velho etarismo
A sociedade classifica pessoas por cor, idade, gênero, corpo, nível social, depois coloca rótulos e determina como cada um deve se comportar. Assim surgem as regras e convenções do certo e errado, do “pode” ou “não pode”, e do que culturalmente aquele grupo vai aceitar ou não. Nascemos e vamos nos tornando produtos do meio.
Eu aprendi a me acostumar com isso porque sendo uma menina gorda já precisava seguir regras o tempo todo. Não podia nada: biquini, braços e barriga de fora, roupas claras, curtas e ou decotadas, só podia mesmo parecer uma senhora no auge dos meus 15 anos. Fui crescendo e aprendendo as imposições feitas para o meu corpo gordo e todo resto que vinha no combo de ser mulher e gorda maior.
Eu ainda não pensava em idade nessa época porque ninguém me dizia que eu não podia pela idade e sim pelo peso. Quando fui envelhecendo é que dei conta de que mais um número assombraria minha vida. A lista é longa: quantos anos, quanto pesa, quanto mede, quanto ganha, com quantos anos comprou a casa própria ou se formou, quanto é o IMC, qual a idade da pessoa com quem se relaciona e mais outros tantos números.
Qual a sua idade?
Que bom seria se entendêssemos que não passam de unidade de medida, apenas números que não determinam quem somos, o que podemos fazer e que não devem controlar nem limitar ninguém.
Eu não sou a minha idade, nem o número que marca na minha balança . Ninguem é apenas isso.
Será mesmo que somos fadados à nos guiar por esses padrões? E se eu não conseguir realizar as coisas antes de completar a tal idade ideal? E agora? Sento e espero o fim? Quando foi que envelhecer virou sinônimo de inutilidade, esquecimento e desprestígio?
Todas as vezes que faço aniversário acabo fazendo um balanço do que fiz, do que quero ainda realizar, e até daquilo que aparentemente ficou tarde demais. Assim fiz aos 15, aos 30, 40 e esses dias ao completar 50.
Dessa vez minha cabeça quis me passar a perna, me dar um nó e eu passei os últimos 50 dias analisando os últimos 50 anos. Por mais esclarecidos que sejamos, a força dos padrões e das convenções é tão grande que acabamos pensando em todas as bobagens impostas e a idade ganha um peso difícil de carregar.
As mudanças são corporais, emocionais, hormonais e comportamentais, mas infelizmente o que se pode ver com os olhos é o que mais incomoda e deixa muitas pessoas insatisfeitas.
O que fazer com o tempo
Caso decida envelhecer naturalmente sem querer camuflar à ação do tempo, será duramente criticada.
Caso então opte pela tentativa de retardar ou minimizar os novos sinais, vai enfrentar novas acusações, julgamentos e provável motivo de piada. Daí sem perceber lá estamos nós tentando se encaixar no padrão aceitável para a nova idade.
Endeusar aparência e super valorizar a estética na juventude colabora e muito para maldizermos a velhice e quase sempre deixarmos a autoestima de lado, evitarmos espelho, fotos, relacionamentos, vida sexual e ainda nos invalidamos no trabalho.
Vivi uma vida brigando para ser eu, cresci fora de qualquer padrão e banquei meu direito de não seguir nenhum deles
Pensando bem eu vivi uma vida brigando para ser eu, cresci fora de qualquer padrão e banquei meu direito de não seguir nenhum deles. Construi uma mulher do nada, sem referências de gordas empoderadas, ouvindo os maiores absurdos sobre meu futuro, eu disse “não” pra metade das sentenças traçadas e me tornei o caso improvável de uma mulher gorda, segura, feliz e que chegou aos 50 anos se amando e querendo mais vida.
Virando a página
Sou julgada sempre, todo mundo é.
Julgar é o passatempo preferido de quem não sabe, não pode ou não conseguiu ser nada nem parecido com o que sonhava ser. Todo dia é feito para nos dar a chance de viver um pouco mais e todo acordar é o começo dessa chance. Sei que não é tão fácil, nada é igual mesmo. A mente diz “quero sim” e o corpo por vezes diz “não quer não”.
A vida não pára e quem não gosta de virar a página não tem folha limpa pra escrever novas histórias. A vida é o que acontece daqui pra frente, daqui pra trás ela nem é mais. Envelhecer também pode ser motivo de alegria pelo entendimento da história construída, pelas inúmeras vivências e por toda sabedoria adquirida. É a vida te dando mais tempo pra amar e dividir mais, pra aprender e compartilhar, sonhar e se libertar.
Envelhecer é sair do ninho e virar passarinho.
(*) Drika Lucena é santista e professora universitária nas áreas de História da Arte, Estética, Produção de Arte, Criatividade, Tendências em Moda, Escrita Criativa e Estudos da Sociedade Contemporânea. Publicitária, Artística Plástica, especialista em Criação Visual e Multimídia, atuou como Redatora Publicitária e diretora de arte e desde sempre respira vive a paixão pela docência. Estudiosa da Cultura Brasileira, Cultura Popular, Criação e Inovação, ministra palestras, workshop, oficinas e mentorias. Drika fala de autoestima, autocuidado, sexualidade, dores e amores, vida e transformações da mulher real. Seu instagram é o @_drika_lucena
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