Uma vez conheci um garoto e ele era super divertido, bem humorado, popular. Sempre que o via estava rodeado de amigos e contando suas histórias em voz alta. Eu tinha 19 anos e aquele menino me encantava porque diferente dos outros ele me tratava exatamente igual às outras meninas.
Quando era mais nova sempre diziam que a juventude é a hora de se apaixonar, sair e voltar de madrugada, curtir com os amigos, paquerar, namorar e passear de mãos dadas, beijar no cinema e todas aquelas coisas que basicamente quase todo mundo fez quando jovem. Só que eu era gorda e quando você foge dos padrões, todo seu tempo caminha de maneira diferente.
Ser gordo na juventude não é tarefa das mais fáceis. Na verdade em nenhuma fase da vida ser gordo é tão tranquilo, porque afinal os preconceitos não diminuem eles apenas se transformam. Acho que todo mundo entende que a adolescência e a juventude são momentos de muitas dúvidas, de transição, de mudanças, de querer se afirmar e impor vontades e opiniões. É aquela hora que muitos descobrem o amor, a paixão, a sexualidade e as primeiras grandes frustrações também.
Com elas surgem a baixa estima, os medos de não ser aceito, as cobranças com a imagem no espelho e muita insatisfação. É uma coleção de inseguranças plantadas pelo mundo lá fora e também pela família cá dentro. Muitas coisas se transformam no corpo e no comportamento. É tudo muito intenso e assustador.
Um medo muito grande de desagradar
Comigo se passou exatamente assim, mas eu era gorda e isso me colocou em outra categoria de meninas. Eu era a gorda, vista como feia, que ninguém queria namorar, mas que era a amiga legal das meninas que todos queriam; Aquela usada como ponte para que os garotos chegassem nas suas eleitas. Meus atributos eram de ser a mais animada e a mais legal das garotas, até quando eu não queria ou não estava bem pra ser.
Eu tinha um medo tão grande de desagradar que muitas vezes fiz coisas que não gostava, que não estava com vontade ou até que não achava certo. Meu receio era que não gostassem mais de mim. Eu sentia uma necessidade de aprovação. Não sei bem por que sentia isso, mas eu queria ser agradável e divertida sempre. Era como se eu precisasse compensar o excesso ou a falta de algo.
Assim é a vida de muitas pessoas e nem é uma atitude apenas de quem não se sente pertencendo, mas de muita gente que simplesmente não sabe como dizer “não” por vários motivos. No meu caso queria ser aceita, mas tem quem quer ser bondoso sempre, quem não gosta de contrariar, os que fogem de brigas e conflitos, quem só quer ter paz mesmo, e assim cada um com o seu cada qual.
Não há problema algum em ser solicito, gentil, querer ajudar às pessoas e também não há nada de errado em dizer “sim”. O problema está em não saber ou não conseguir dizer o “não” nunca.
É comum que as pessoas se acostumem com alguém permissivo porque é fácil de lidar. Já com uma pessoa que diz “não”, tem que argumentar, tem que ter poder de convencimento, boas justificativas, estar disposto a conversar e compreender o outro. Nem sempre é simples mas é sábio.
Conviver com pessoas que sabem dizer “sim” e “não” no momento correto, e sem culpas, é uma delicia porque é troca. Teremos que ouvir o outro mas seremos ouvidos também. Amadurecer é transitar bem dos dois lados.
Livramento atrás de livramento
No exato momento em que aprendemos a dizer o “não” e o “sim” nos momentos certos a vida anda tanto que até surpreende. As coisas simplesmente começam a fluir num ritmo perfeito, o seu. Você passa a ter controle e a ser protagonista. Acontece uma seleção natural de pessoas e amizades que ficam porque respeitam e amam você e ou vão embora porque você só os serve dizendo “sim”. É ótimo! É livramento atrás de livramento e ainda nos sentimos inteiras, com mais vontade das coisas, querendo curtir a liberdade da aparentemente simples conquista do “não”. É fundamental esquecer o tal medo de ficar mal com os outros e ficar bem consigo mesmo.
E pasmem, quando você perceber já disse “não” quando quis e “sim” quando escolheu. Muda uma chave em todas as áreas da vida, do trabalho a família, dos amores aos amigos, das pequenas escolhas às grandes decisões.
Voltando lá no tal garoto que eu conheci quando eu tinha 19 anos, ele me beijava as vezes. Ele só fazia isso quando não tinha ninguém por perto e sempre escondido. Ele me pediu para que nunca ninguém soubesse que ele me beijava e eu disse “SIM”. Lembrando disso, me veio a reflexão de que muitas vezes que eu disse esse “sim” a alguém, eu estava me dizendo “não” sem ao menos me dar conta.
Eu normalizei essas situações e isso era negar a própria vontade. O hábito de dizer “não” só veio bem mais tarde, depois que eu me amei mais do que me cobrei, e quando finalmente eu entendi que valorizar meus desejos era me respeitar. Demora um pouco, mas chega o dia em que a gente aprende que a medida entre o “sim” e o “não” é a da liberdade conquistada ao respeitar o que se quer.
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(*) Drika Lucena é santista e professora universitária nas áreas de História da Arte, Estética, Produção de Arte, Criatividade, Tendências em Moda, Escrita Criativa e Estudos da Sociedade Contemporânea. Publicitária, Artística Plástica, especialista em Criação Visual e Multimídia, atuou como Redatora Publicitária e diretora de arte e desde sempre respira vive a paixão pela docência. Estudiosa da Cultura Brasileira, Cultura Popular, Criação e Inovação, ministra palestras, workshop, oficinas e mentorias. Drika fala de autoestima, autocuidado, sexualidade, dores e amores, vida e transformações da mulher real. Seu instagram é o @_drika_lucena
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