Um dos assuntos que mais causa ansiedade e incômodo em pessoas gordas e com corpos “não padrão” é a temida Hora H. É sempre difícil conversar sobre isso mas com toda certeza é ainda mais complicado viver o momento do sexo com total tranquilidade.
Em pleno século XXl falar de sexo ainda é tabu. Parece incrível que o assunto não seja livremente discutido e isso fica mais complexo ainda quando temos inseguranças com o nosso corpo. Durante muitas décadas o sexo foi visto como pecaminoso, como algo que não deveria ser falado e principalmente que seria aceitável apenas com intuito de procriação.
Claro que para os homens essa história muda e a eles sempre foi dada a licença para sentirem e buscarem prazer nas relações sexuais. Ao homem é dado o passe livre para transar com quantas pessoas quiser, na hora que bem entender e muitas vezes com o apoio orgulhoso dos seus pais. Eles podem ter fantasias, podem se masturbar, podem comandar e nada nunca causa espanto. Por anos acreditamos que eles tinham um instinto sexual aguçado e que por isso tínhamos que aceitar “puladas de cerca”, consumo de pornografia e muitas vezes até aceitar transar sem vontade apenas pra satisfazer o parceiro. Muitas mulheres ainda se sujeitam as piores experiências sexuais, à obediência na cama e normalizam o fato de não terem nenhum tipo de prazer. Ao contrário disso, muitas sentem culpa, medo, desconforto, dor, vergonha e uma enorme necessidade de agradara o outro e não a si mesmas.
Como se permitir ao prazer sexual se mal conhecemos nosso corpo e quase sempre nos envergonhamos dele?
Em função disso tudo e de muitas outras questões ligadas à religião, convenções, criação e machismo, mulheres acabam conhecendo pouco sobre seu prazer, seu corpo e sua sexualidade. Muitas nunca se tocaram e quase nenhuma investe no autoconhecimento como forma de melhorar suas experiências sexuais. É tão importante nos conhecermos, sabermos quem somos, do que gostamos, o que sentimos, nossas necessidades, nossas aflições, àquilo que nos frustra e o que nos faz feliz. Como se permitir ao prazer sexual se mal conhecemos nosso corpo e quase sempre nos envergonhamos dele? Como viver a plenitude da nossa sexualidade se temos tantas inseguranças? Porque é tão difícil darmos ao nosso corpo o prazer que ele pede?
Primeiro de tudo é preciso decidir se ver e não apenas se olhar. Quando a gente para que se ver é tão forte porque é um encontro com aquela mulher que está viva, que tem desejos, que se arrepia, se umedece, mas que por achar que seu corpo não é digno vai deixando suas vontades de lado e vai dando lugar às neuras, às cobranças, os medos e à falsa entrega.
Olhar seu corpo é muito simples, basta se despir na frente do espelho e pronto. Para muitas só esse movimento de se olhar no espelho e encarar o corpo nu já é o suficiente para encontrar todos os defeitos do mundo e para se envergonhar das suas formas. É a barriga que tá grande demais, os seios caídos demais, tem flacidez demais, celulite e estrias demais, é tudo demais e confiança de menos. E unido à tudo isso, há o medo de não agradar o outro, de não ser capaz de dar prazer porque o mundo fala o tempo inteiro que o visual e a estética é o que comanda o desejo. Quando eu acho meu corpo feio, errado e inapropriado, naturalmente eu o escondo porque acredito que assim mais ninguém terá acesso a ele. Tirar a roupa ou luz acesa na frente de alguém passa a ser um medo terrível, uma sensação de incômodo gigante, um fantasma. Um misto de vergonha e ansiedade toma conta do momento intimo e nos impede de externar o desejo e aproveitar plenamente a natureza deliciosa que há numa relação sexual.
É triste pensar que bem mais da metade das mulheres nunca teve um orgasmo na vida e as vezes a culpa é do mal parceiro e da insegurança com o corpo por inúmeros motivos. Quem nunca se viu tentando agradar somente o outro ou se pegou vendo vídeos que ensinam a ter um bom desempenho, a querer aprender mais posições e a seguir receitas infalíveis de “como ser boa de cama”? Enquanto isso do outro lado homens que esperam e até exigem performance igual a dos filmes adultos onde a maioria deles se “alfabetizou” sexualmente. O resultado é uma insatisfação geral e na maioria das vezes a culpa recai sobre as mulheres. Então começa tudo de novo. Tem mulher que se acha culpada porque seu parceiro não teve ereção; tem mulher que pensa que ele não conseguiu porque ela é feia; porque o corpo é gordo; porque não soube ou não ficou à vontade para fazer determinada posição; que a culpa é da sua celulite, das suas marcas, do meio das suas coxas ser mais escuro, do formato da sua vulva e mais um monte de motivos pra se culpar eternamente.
Mudar a relação que temos com o nosso corpo é muito importante pra que haja a entrega
Então como ter uma vida sexual plena? Como não culpar nosso corpo pelo fracasso das relações? Como se entregar totalmente e fazer do sexo algo verdadeiramente prazeroso e satisfatório? Existe uma fórmula pra isso? Não. Infelizmente não existe porque sexo é troca e então vai sempre envolver mais alguém. Quanto mais intimidade criamos, mais gostoso fica o sexo. Quanto mais conhecemos o outro maior é a nossa entrega. Não falo só de conhecer o gosto na cama, mas de conhecer a pessoa, o jeito, olhar nos olhos, perceber o corpo falando, sentir o que ela sente por você, o que os dois estão querendo. A conexão que existe numa relação sexual é enorme. É alguém dentro de você. É íntimo demais e tem que ser prazeroso também. Mudar a relação que temos com o nosso corpo é muito importante pra que haja a entrega, mas somente escolhendo quem terá o privilégio de nos tocar é que vamos poder nos permitir à liberdade total entre quatro paredes. Tudo que pudermos mudar na relação que temos com o nosso prazer também vai colaborar com a nossa capacidade de sentir, de explorar melhor nosso corpo, de ter tesão, de ficar excitada e ainda assim não pensar que somos pecadoras e ou imorais.
Eu passo as mãos pelo meu corpo sem medo e com amor, adoro me massagear enquanto hidrato e perfumo minha pele macia. Pele é sexual porque sexo é mais tato, olfato e paladar que apenas visão. Sexo é multissensorial. No entanto, um corpo não é capaz de sentir nada com veracidade sem a mente mandar o estímulo. Isso é maravilhoso porque significa que pessoas e seus corpos são movidos pela mente e sua capacidade de estimular o pensamento. O corpo será sempre a ferramenta do que a mente induz. Eu mando no meu corpo, eu determino onde eu gosto de ser tocada, onde o calor me sobe e o arrepio me deixa entregue. Eu conheço cada milímetro do meu corpo e a quem for me entregar vou querer que o conheça também.
Eu sempre vou pensar que alguém que quer estar comigo já me escolheu, já me olhou já viu meu corpo, já sabe como ele é, já me desenhou, me leu e continua me querendo porque o desejo não vem apenas do que se vê mas especialmente do que esta pessoa sente quando está ao meu lado. É muito mais do que o formato do corpo, é além da estética, da idade e do que os olhos podem ver, é pele e sensação. É encaixe de corpo sim mas não é mecânico, é orgânico.
Eu sou gorda e sou muito mulher e meu instinto de fêmea também é forte e real. Eu gosto de sexo e meu corpo gordo é apto ao prazer como qualquer outro. Não me cabe o desrespeito, não me cabe a fetichização, mas me cabem carinho, romance, delicadeza, cuidado e o que mais eu admitir que me caiba.
A Hora H sem medo, sem vergonha do corpo, sem pudor ou insegurança, com total liberdade pra falar, sorrir, tocar, cheirar, provar, ousar e experimentar, só vai acontecer quando a gente aprender a olhar menos para a forma que um corpo tem e mais para o que ele é capaz de fazer e mais ainda para o que ele pode sentir.
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(*) Drika Lucena é santista e professora universitária nas áreas de História da Arte, Estética, Produção de Arte, Criatividade, Tendências em Moda, Escrita Criativa e Estudos da Sociedade Contemporânea. Publicitária, Artística Plástica, especialista em Criação Visual e Multimídia, atuou como Redatora Publicitária e diretora de arte e desde sempre respira vive a paixão pela docência. Estudiosa da Cultura Brasileira, Cultura Popular, Criação e Inovação, ministra palestras, workshop, oficinas e mentorias. Drika fala de autoestima, autocuidado, sexualidade, dores e amores, vida e transformações da mulher real. Seu instagram é o @_drika_lucena