A estrutura do mercado de trabalho é marcada historicamente por inúmeras diferenças, tanto entre homens e mulheres quanto entre pessoas brancas e não-brancas. E essas diferenças se somam: pesquisas mostram que a mulher negra recebe, em média, menos da metade do salário de um homem branco.
Com as pessoas gordas acontece um problema similar: devido ao discurso gordofóbico que associa peso a desleixo, muitas vezes são vistas no mercado de trabalho como incapazes ou preguiçosas. As relações de discriminação, ao se juntarem, criam um ambiente inseguro e desigual para mulheres – em especial mulheres negras e gordas. É como se precisassem correr duas ou três vezes mais para tentar provar sua capacidade. Além disso, pessoas gordas ainda sofrem com falta de um ambiente inclusivo, que vai desde o mobiliário e instalações até uniformes e condições de trabalho adequadas.
Para Izabela Oliveira, empreendedora na marca de acessórios Moda Contracorrente que por muitos anos atuou nas áreas comerciais de bancos e corretoras, pessoas negras ainda são vistas como marginais e incapazes. “Para a mulher negra e gorda a pressão estética se agrava um pouco mais”, conta.
Tuanny Dias, professora de UX/UI (User Experience e User Interface) e Product Designer Lead, conta sobre ter sofrido diversos episódios de racismo no trabalho. Um deles, com uma liderança que a acusava de estar na empresa apenas pela política de cotas, causando situações constrangedoras até que ela pedisse demissão.
Discriminação pela aparência
Dias também conta que, a todo momento, o ambiente de trabalho promove mais pressão estética sobre mulheres negras. “Pessoas negras precisam mudar a aparência a todo tempo para ser respeitadas no mínimo, para ter dignidade”, desabafa. “Eu queria que fosse diferente ou exagero, mas não é”.
Já Oliveira conta que em seu antigo mercado de atuação a exigência e pressão por um “dress code correto” era intensa e passava por racismo e gordofobia. “Apesar de ser gorda, eu tentava me enquadrar em um certo padrão, usando o cabelo longo, liso e loiro, por exemplo”.
Representatividade em lugares de poder
Em relação a presença de mulheres negras em posição de liderança, Tuanny acredita que há, sim, um grande impacto. “Eu consigo abrir mais horizonte pra pessoas que querem seguir esse caminho, para pessoas negras, outras meninas ou qualquer minoria que se identifique comigo”, diz. “Essa representatividade é um dos maiores pontos que sei que fazem diferença. A maioria das pessoas negras que chegaram nessas posições conseguem trazer outras pessoas pretas, que vão ter mais acesso, mais contatos, conhecer novas profissões e dar a elas oportunidades com salários melhores”.
Apesar da posição de destaque, a designer conta que muitas empresas ainda não sabem o que fazer nem em relação ao racismo, nem em relação a buscar diversidade para suas equipes. “As empresas que não tem grupos de diversidades acabam achando que é exagero, pois muitos acham que LGBTfobia, racismo, gordofobia precisam ser escancarados [para serem levados a serio]”.
Empreendedorismo
No caso de Izabela, empreender foi um caminho natural onde ela conseguiu se sentir “ela mesma” novamente. Como uma pessoa que sempre amou inovar e se sentia fora da caixinha, se apaixonou pelo mercado plus size e criou sua marca de acessórios sob medida. Ela conta que “ser uma empreendedora gorda e preta gera conexão com os clientes, pois já conheço as dores desse público, as dificuldades e acabo desenvolvendo um domínio sobre meu trabalho”.
Ainda que lidar com a autoaceitação seja um processo, hoje ela sabe que coloca 100% de si no que faz. “Eu sentia que fora das empresas seria muito mais capaz de fazer o que eu queria, de deixar um legado”, diz.
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Indique uma preta
Há consultorias e empresas de RH especializadas na busca de pessoas negras para empresas, assim como projetos voltados para o desenvolvimento e inserção desse grupo no mercado de trabalho, como é o caso do UX para Minas Pretas, Pretux (voltadas à tecnologia), e da rede Indique uma Preta, comunidade com foco em desenvolver e capacitar pessoas negras. Divulgar, apoiar e acompanhar projetos de inclusão e pequenos empreendedores é importante, seja como empresa ou consumidor, para que todas as pessoas tenham consciência da necessidade de se aliar à luta pelos direitos de todos e combate ao racismo e gordofobia.