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Como foi o Boteco da Diversidade: Visibilidade Gorda que aconteceu dia 5 de agosto

Preta Rara feat. Karina Zonzini

No dia 5 de agosto aconteceu no Sesc Pompeia o Boteco da Diversidade: Visibilidade Gorda, evento que teve nossa produtora, Flávia Durante, como co-curadora. Foi uma noite inesquecível de muita arte, empoderamento e amor próprio!

Veja as fotos de Robson Leandro da Silva. O álbum completo está na fanpage da Cena Pop.

Assista ao vídeo com os melhores momentos:

Leia abaixo o texto do encarte distribuído no evento, com texto de Rachel Patrício, poesia de Júlia Rocha e ilustrações de Karina Beraldo.

BOTECO DA DIVERSIDADE

O Boteco da Diversidade é uma iniciativa que se dispõe a ampliar a visibilidade política e artística de ações e assuntos vinculados à diversidade cultural e à defesa dos direitos humanos. Durante este ano, serão vários os encontros no Boteco com individualidades, artistas, temas e formatos inéditos a cada edição.
No mês de agosto, a arte encontra o diálogo político sobre as muitas formas de reconhecer a corporalidade e as vivências das pessoas gordas no Brasil. Por meio de poéticas de resistência e de combate à gordofobia e à pressão estética, o público poderá aprofundar-se de forma despojada e reflexiva sobre esses temas.
Neste encontro, a Dj Tati Yuki abre a noite com seu animado set. Com intervenções de Preta Rara, MC dessa edição do Boteco, serão apresentadas performances, narrativas poéticas e políticas de Riot Queens, Draga da Quebrada, Junior Ahzura e Grupo Me Gusta, que abordarão o tema de forma irreverente e sensível. Para fechar o evento, Preta Rara fará um pocket show com versão ao vivo da intérprete de libras Karina Zonzini.

Gordofobia: um debate urgente
Por Rachel Patrício

Ilustração: Karina Beraldo

O corpo gordo sempre existiu. Os registros artísticos desses corpos datam do paleolítico. A Vênus de Lespugue, imagem corpulenta talhada em marfim de mamute, tem cerca de 26 mil anos. Já a Vênus de Willendorf, uma estátua esculpida em calcário, cujo corpo possui formas redondas, seios fartos e uma barriga volumosa, possui cerca de 24 mil anos. E há pelo menos 2500 anos, momento em que surgem as primeiras dietas para perda de peso, essa conformação corporal é combatida.
A gordofobia é a repulsa ao corpo gordo. É uma opressão estrutural que marginaliza esse corpo, tornando-o palco para a chacota, o desprezo e ódio através de sua invisibilização, e também patologizando-o, impedindo-o de ocupar os espaços públicos e privados por falta de acessibilidade. Alvo de constantes discriminações, o corpo gordo é estigmatizado.
Talvez uma das opressões mais ignoradas e frequentemente descreditada, a gordofobia é fortemente aceita e praticada em nossa sociedade, envolta em falácias como a ideia de que é importante encorajar o emagrecimento, ainda que através de constantes humilhações. Argumentam que apenas se preocupam com a saúde de pessoas gordas, quando na verdade, a única intenção é torná-las magras a qualquer custo. Nossa luta é silenciada e deslegitimada porque, de acordo com o imaginário coletivo, só é gordo quem quer. Portanto, ao invés de lutarmos por reconhecimento deveríamos apenas emagrecer. O corpo magro é associado ao sucesso e à felicidade, e por isso deveríamos perseguir esse ideal.
Mas o que é um corpo gordo? É importante tentarmos definir quem são as pessoas gordas, ainda que isso pareça muito óbvio. O bombardeio de imagens retocadas nas diversas mídias nos faz crer que qualquer corpo que não se assemelhe com aquele apresentado é, por exclusão, gordo. Se o referencial de uma mulher é a modelo de manequim 34, ao vestir 44 ela provavelmente se sentirá grande. E então entramos numa zona cinzenta. Para quem tem alguma familiaridade com o feminismo e a luta anti-gordofobia, é possível que o seguinte questionamento ocorra: “se é importante se identificar como gorda, ressignificar essa palavra, tirar dela a conotação negativa imputada pela sociedade gordofóbica, por que não posso me declarar como gorda, já que eu me sinto assim? ”. E eu respondo: precisamos quebrar essa dicotomia, e isso só acontece através da representatividade, da diversidade e pluralidade.
O corpo é fluido, existem diversas nuances e possibilidades entre esses dois pontos (corpos magros e gordos). O feminismo vem explorando as questões da bodypositividade há algum tempo, para que mulheres possam se livrar das amarras das prisões estéticas e da busca por magreza. Reconectar-se com o próprio corpo compreendendo ciclos, não se frustrar ao entender que seu corpo não precisa ser jovem, firme, liso para ser um corpo válido, não é uma pauta exclusiva da luta anti-gordofobia. Quando uma mulher que veste 44 se define como gorda, esvazia o significado de ser gordo e impede que se compreenda esse corpo, o que é fundamental para pautarmos nossa luta.

“Sobre o que você é?
Vestibular, viagem, militância?
Por muito tempo eu fui sobre ser magra! Seja magra para ser feliz, se encaixe nos padrões, como é que se diz? “ Que rosto bonito, mas não é magra, seu corpo será sempre motivo de piadas!!, come menos, faz uma caminhada.
Eles dizem: mulher ame o seu corpo!! MAS PARA NÓS O PADRÃO 38 É 24 HORAS POR DIA IMPOSTO!
Comprar roupa não deveria ser motivo de choro!! Vestir 44 ou 58 não é nenhum desgosto!
A indústria da moda e a televisão “ promovem integração” fashion wekeend plus size fim de semana de INCLUSÃO.
Estilista já pensou na palavra aceitação?
Substantivo feminino ACEITAÇÃO: Facilidade em ser bem recebido e acolhido. Na sociedade “moderna” mulher gorda não sabe o que é isso!
Se for gorda e preta então, sem perdão. Só serve para expor o corpo em prol da ridicularização. Papel de empregada garantido na televisão.
As minas perguntam: então você quer hipersexualização? NÃO!!
Eu só quero entrar num provador sem me sentir uma aberração, ir à praia sem ter que fazer projeto verão pra me tornar mais um padrão de apreciação.
A palavra mais usada da minha geração é representatividade, teria ajudado conhecer isso aos 13 anos de idade. Quando minha família me dizia o quanto eu era maravilhosa e eu só conseguia pensar por que eu não parecia com as garotas da revista de moda!!!
Eu só lamento ter demorado pra perceber, que o que me faz linda é todo o meu ser!! É ISSO QUE AS REVISTAS DEVERIAM NOS DIZER!!
ATENÇÃO: Sua gordofobia e falta de empatia é motivo de MUITA depressão.
Hoje eu sou sobre aceitação sem inclusão. Gorda, preta em resistência o objetivo é total resiliência. ”
(Julia Rocha)

O estigma como manutenção do privilégio

Ilustração: Karina Beraldo

Um corpo gordo incomoda muita gente, um corpo gordo empoderado incomoda muito mais. Pode parecer deboche falar sobre gordofobia e logo de cara evocar a musiquinha dos elefantes, mas é exatamente assim que nossa sociedade enxerga o corpo gordo: um incômodo. Nosso tamanho e o espaço físico que ocupamos parece ser uma afronta, ainda mais quando ousamos dizer que merecemos respeito. Nosso corpo é visto como um desvio, é alvo de estereótipos, estigmas, discriminações e preconceitos.
O estigma surge da necessidade de proteção de um grupo social para a manutenção de seus privilégios. Uma condição estigmatizada é associada à uma responsabilidade pessoal, e não social, precisamente porque um dos objetivos do estigma é separar o indivíduo do grupo. É também próprio da atuação do estigma classificar-nos de forma que se separe o são do não-são, ou do insano, partindo de uma perspectiva normalizadora e medicalizada, de normas brancas, cisgêneras, heterossexuais, de pessoas sem deficiência etc. Identifica-se o corpo desviante para que o mesmo possa ser tratado e curado. É graças à essa forma de atuação que diversas minorias buscam mimetizar ou reproduzir o comportamento dos grupos privilegiados, a fim de esconderem-se, e sofrerem um pouco menos de discriminação. No entanto, o estigma do corpo gordo é associado ao que se chama de “marca observável”, não há meios de “passar” para um tamanho diferente daquele que se possui, o que torna esse estigma muito forte e cristalizado, descrito como “um sinal visível de uma falha oculta, iniquidade ou torpeza moral, proporcionando ao indivíduo um sinal de aflição ou um motivo de vergonha”. Com base nessa definição, é possível concluir que o indivíduo gordo é identificado como menos desejável, inferior, ruim. Atribui-se ao indivíduo, cuja conformação corporal não se adequa aos padrões socialmente impostos, inferioridade do caráter ou fraqueza moral, predeterminando a conduta do mesmo. Esse estigma pode surgir na mais tenra idade e persistir ao longo da vida, manifestando-se nas ideias do senso comum que dizem que o gordo é preguiçoso, sujo, relaxado, sem força de vontade ou menos humano, expressando-se numa variedade de contextos sociais, como o acesso à saúde, emprego e educação. Outra forma de atuação do estigma é reduzir o indivíduo à sua condição ou identidade, o que também afeta negativamente as interações sociais.
A busca por uma sociedade normalizada, onde o corpo magro é entendido como hábil, capaz, obediente e o corpo gordo é transgressor, fala também com a ideia de biopoder de Michel Foucault. De acordo com o filósofo, instituições como a fábrica, escola e hospital atuam em conjunto para doutrinar e exercer poder sobre corpos, tanto no âmbito individual como no coletivo. Diversos dispositivos na sociedade vigiam e punem, a fim de se manter a norma magrocentrada.

Corpo gordo e saúde

Ilustração: Karina Beraldo

Fato: toda a conversa sobre corpo gordo e saúde é pautada no emagrecimento. A busca por saúde na visão atual da sociedade é atrelada à longevidade e o corpo gordo é visto como uma bomba relógio, doente e temido. O termo “epidemia da obesidade” surge com ares de alerta e preocupação, ainda que na verdade seja muito mais uma manobra alarmista e higienista. Parece então ser impossível falar sobre saúde sem o enfoque no emagrecimento. Se décadas de estudos sobre a perda de peso nos ensinaram algo, é que mudanças na alimentação e exercícios trazem resultados modestos, mas não duradouros. Buscar uma boa alimentação, balanceada e saudável, e fazer da prática de exercícios uma rotina traz indubitavelmente muitos benefícios para a saúde, mas a maioria das pessoas nem sempre apresentam perda de peso.
O IMC (Índice de massa corporal), é uma medida de gordura corporal, calculada através da relação entre altura e peso. Segundo a OMS, um indivíduo com IMC acima de 30 é considerado obeso. Criado para ser um indicador geral de saúde, acabou por também se tornar uma ferramenta padrão para diagnosticar o risco de doenças cardiovasculares. A elaboração dessa régua se deu através de estatísticas populacionais de 1800, que comparam as diversas conformações corporais a fim de encontrar o que seria o tamanho “médio” e assim classificar negativamente os corpos fora da norma definida. Hoje em dia, diversas correntes de pesquisa defendem que o cálculo do IMC não é uma fonte confiável para determinar a saúde de um indivíduo, servindo apenas para reforçar o estigma anti-gordo. A saúde pública, ao enfatizar demais a possível correlação entre peso e saúde, contribui para a manutenção desses estigmas. A ciência não é neutra, ela parte de um ponto de vista, e a produção científica ocidental tem como objetivo a tentativa de explicar por que as pessoas engordam e como fazer isso parar. É violento pensar que nossa ciência higienista busca eliminar o corpo gordo, e com isso, a mensagem é clara: essas pessoas não deveriam existir. Existem dois tipos de tratamento reservados ao corpo gordo: a condescendência, onde nos é dito “tadinhos, não é culpa deles serem assim” ou o ódio e o desprezo, onde somos culpados por sermos tão grandes.
O estigma anti-gordo, portanto, deve ser considerado para o sucesso do diálogo sobre saúde e obesidade. O peso não é tão maleável quanto se acredita, e a crença nesse suposto autocontrole reforça o estereótipo de que só é gordo quem quer, de que pessoas gordas não possuem força de vontade ou autocuidado, de que não investem em sua saúde. Essa ideia é nociva e um dos pilares para que ocorram negligências médicas, resultando em diagnósticos tardios que geram atrasos ou mesmo a negação de acesso aos cuidados necessários. Faz-se necessário olhar além do peso, observar os multifatores que compõem o indivíduo, como sua carga genética, seu estilo de vida, contexto social etc. Além de tudo, usar apenas o peso enquanto indicador de saúde é extremamente nocivo, sendo gatilho para um ciclo insalubre de tentativas de perda de peso a qualquer custo. Um estudo recente publicado na Revista Nature mostra como a perda de peso indiscriminada é determinante nos processos de adoecimento e apresenta considerável taxa de mortalidade. Numa suposta busca por saúde e adequação, adoecemos. O foco na culpabilização do indivíduo pelo seu peso resulta em menos atenção para outros tipos de soluções políticas de promoção da saúde e bem-estar.
Mudanças ambientais e políticas se fazem necessárias para que além de estimular, garanta-se o acesso da população às boas práticas alimentares e programas de atividades físicas e lazer. Tão necessário quanto, é compreender que o peso de um indivíduo é só um dado sobre ele, e se basear apenas nesse dado não nos trará resultados. O estigma anti-gordo é muito mais perigoso para a saúde que nosso peso.
É importante falar também de como nossa saúde mental acaba sendo afetada nessas interações sociais negativas com nossa família, amigos, parceiros, médicos, colegas de trabalho. A mulher gorda enfrenta muita dificuldade ao denunciar abusos, violência doméstica e estupro por ter sua palavra desacreditada graças à crença de que ninguém deseja o corpo gordo, esquecendo-se que, para além de tudo, estupro não é sobre desejo, mas sobre violação e poder. O fatshaming, nome dado ao abuso verbal sofrido por pessoas gordas, é frequente. São inúmeros os relatos de abusos físicos e psicológicos descritos por pessoas gordas, desde constrangimento público por parte de colegas, como o rodeio das gordas (violência ocorrida na Unesp em 2010 onde alunos da universidade se aproximavam de meninas gordas, como se fossem apenas conversar com elas, e então as laçavam e montavam como se as mesmas fossem touros de rodeio, filmavam e disponibilizavam a agressão online. Três rapazes foram identificados, dois fizeram acordo com a justiça e um foi condenado por dano moral coletivo). Os meios online são, inclusive, palco de atrocidades com pessoas gordas. Exposição, ataques, ameaças de morte. Um sem número de mulheres gordas que ousaram empoderar-se de seus corpos e terem fotos publicadas trajando biquínis ou mesmo performando fotos nuas e falando sobre amar seu corpo foram ferozmente atacadas. Em 2016, eu mesma fui alvo desse tipo de ataque. Meu parto foi noticiado em alguns meios de comunicação, numa denúncia sobre o despreparo de hospitais, seu corpo médico e sua infraestrutura para receber uma paciente gorda. Durante toda a gestação, que transcorreu tranquilamente, não houve em momento algum uma conversa sobre a impossibilidade do meu parto ocorrer. No dia do parto, o hospital alegou não ter uma maca que suportasse meu peso e nem uma agulha específica para a anestesia. Do nada eu me vi completamente desamparada e sem perspectiva do que aconteceria comigo e com meu filho. Uma amiga acionou a imprensa e só aí o hospital se prontificou a conseguir os equipamentos necessários para o meu parto. No dia seguinte o parto ocorreu, de forma tranquila e com uma equipe qualificada. Nas caixas de comentários das notícias não era difícil encontrar mensagens desejando a minha morte e a do meu filho, recém-nascido, ou pessoas dizendo que era minha culpa, que uma pessoa gorda como eu não deveria engravidar e ter filhos. É desgastante para nossa saúde mental conviver com essas questões de infraestrutura. Encolhemo-nos até sentirmos câimbras para não incomodarmos no transporte público, ainda que exista um assento reservado para nós assegurado por lei, e que nos é frequentemente negado pela população, que olha com reprovação quando exigimos ocupar esse lugar de direito. Não é nosso peso que nos adoece, é a forma como somos tratados.

Sexo, fetiche e a solidão da mulher gorda

Ilustração: Karina Beraldo

Que nossa sociedade machista enxerga a mulher como um pedaço de carne não é novidade. Quando falamos de mulheres gordas, a coisa toma outra proporção. O fetiche por mulheres gordas é bem comum, as redes sociais estão abarrotadas de páginas de admiradores de gordinhas, os sites de pornografia possuem uma sigla específica para a pornografia de mulheres gordas, o BBW (Big Beautiful Women). Muito antes do advento da moda plus size, as BBW foram meu primeiro referencial de mulheres gordas sensuais, já que na época não havia nenhuma representatividade de corpos gordos na mídia.
Para o fetichista, pouco importa a mulher enquanto indivíduo, com vontades, anseios e expectativas. O foco é seu corpo, suas formas e os estereótipos relacionados a mulheres gordas e o sexo. O estereótipo difundido em nossa sociedade é de que somos mulheres sem autoestima e dispostas a qualquer prática sexual para satisfazer nossos parceiros, voluptuosas, famintas, insaciáveis.
Muito do fetiche relacionado ao corpo da mulher gorda é sobre controle. O feederismo, prática que consiste em alimentar essa mulher com alimentos hipercalóricos para que ela engorde até que perca totalmente sua mobilidade, denota as nuances sobre controle e dependência. O fetiche se difere da admiração pelo corpo gordo no momento em que desumaniza a mulher.
A descoberta do sexo para a mulher gorda pode ser difícil, se num extremo temos os fetichistas, no outro temos uma sociedade que despreza nossos corpos, e o medo da rejeição e da violência torna essa descoberta delicada.
As experiências de flerte e relacionamentos também não são fáceis. Muitas mulheres gordas relatam que o flerte acontece a noite toda, mas a aproximação só se dá quando os amigos foram embora (ou quando é possível dizer “nossa, eu tava bem loco”), ou o relacionamento às escondidas, sem assumir publicamente para amigos e familiares. São os estigmas respingando em quem não tem um corpo gordo, mas se acovarda diante das pressões da sociedade. Acabamos nos sujeitando e aceitando migalhas, por medo da solidão. Não é surpresa quando, depois de muitos anos de relacionamento às escondidas (gosto de você, querida, mas não quero nada sério), somos preteridas e então o outro surge rapidamente num relacionamento sério, com direito a foto de casal no Facebook, e com uma pessoa adequada aos padrões estéticos.
É fundamental construirmos nossa autoestima de maneira sólida para não sermos vítimas dessas relações, e essa construção se dá muito melhor quando é feita coletivamente, trocando experiências e praticando o acolhimento.
Dia-a-dia, cidadania e a luta por direitos
É claro que tentamos lembrar às pessoas de que ser gordo é absolutamente normal, mas não podemos dizer que levamos uma vida normal. Desde o momento que eu acordo, eu sou lembrada de que o mundo não é feito para mim. O box estreito no banheiro, a toalha de banho que não envolve meu corpo por completo. Roupas, sapatos, cintos que para de fato me servirem custam preços exorbitantes, e muitas vezes não possuem um caimento adequado. Bem da verdade, se eu entrar nua em um shopping, munida de um cartão de crédito sem limites, eu saio desse shopping como entrei. Portas e corredores estreitos (em casa, no trabalho, no transporte público, em restaurantes). Analisar minuciosamente uma cadeira para ter certeza de que minha bunda caberá nela, ou se ela não irá ceder e quebrar com o meu peso. Assentos e cintos de segurança no avião. Coletes salva-vidas, equipamentos de segurança em geral. Equipamentos de academia (mas ei, você deveria se exercitar, eles dizem). Equipamentos médicos, roupas hospitalares, manguito em tamanho adequado para o braço gordo para aferir pressão arterial corretamente. Eu já fui mandada para um centro veterinário de animais de grande porte para fazer uma ressonância magnética. As pessoas sequer se preocupam em como isso é desumanizador, não se preocupam nas consequências que isso pode ter em minha saúde mental. A pessoa gorda é uma não-pessoa num mundo centrado em pessoas magras.
O corpo gordo acaba definindo os limites de cidadania. A falta de obrigatoriedade em garantir total acessibilidade para pessoas gordas nos espaços urbanos nos mostra que não somos compreendidos como cidadãos, e mais, em como urge a necessidade de debate e criação de um Estatuto que garanta nossos direitos, na tentativa de nos proteger (ainda que minimamente) das violências cotidianas. Alguns direitos garantidos são o assento preferencial em transporte público e a possibilidade de não ter que passar pela catraca de ônibus, sendo necessário apenas fazer o pagamento da passagem e girar a catraca. Esses direitos não são garantidos em todo o território nacional. No Estado de São Paulo e no Acre existe a obrigatoriedade de que cinemas, teatros, bares, restaurantes e casas de show reservem 5% de seus assentos para pessoas obesas e esses assentos devem ser maiores e suportar até 250kg.
Ainda que existam demandas específicas, por se tratar de um ativismo recente, é interessante olhar para os caminhos que foram percorridos por outras militâncias. O movimento LGBT passou por isso (apenas em 1991 a homossexualidade deixou de ter um CID), o movimento negro e sua luta contra as teorias bioantropológicas que usam de falácias biológicas para pregar a supremacia branca, as pessoas com deficiência, na luta contra o capacitismo, lutas que ampliaram e trouxeram para a sociedade a reflexão sobre o que é um corpo são e o que é saúde. Quando observamos esse ponto em comum de lutas diversas, fica nítida a necessidade de afirmarmos uma identidade gorda, nos livrar do CID da obesidade (que doença é essa cujo único sintoma é um corpo gordo?) E assim, nos reservar ao direito de adoecermos, como qualquer ser humano, sem que nossa moral seja julgada nesse processo, sem que sejamos negligenciados.

Sobre Artistas e Ativistas Participantes do Boteco da Diversidade: Visibilidade Gorda

Flavia Durante
Flávia Durante é comunicadora, DJ e empreendedora nascida em São Paulo e criada em Santos. Desde 2012 produz o Pop Plus, feira de moda e cultura plus size, com média de público de 8 mil pessoas por evento. Ao longo destes 5 anos tem desmistificado conceitos e conselhos que mulheres (e homens também) ouvem há décadas em relação à moda.

DJ Tati Yuki
DJ nas noites do interior de SP há 5 anos, sempre fazendo a diferença com seu set repleto de hinos do R&B, pop e funk. Sapatão, gorda e negra lutando pra conseguir cada vez mais espaço num meio onde dão muito valor à aparência padronizada.

Junior Ahzura
Artista visual, fotógrafo, educador, membro do coletivo Ponto e Vírgula, voguer e viciado em vídeo game. Tem interesse nas inserções imagéticas dentro das mídias sociais, nas relações entre corpo e espaço, identidade de gênero e sexualidade, bem como no registro da performance e seus desdobramentos.

Riot Queens com Cherry Pop e Ginger Moon
Riot Queens é um coletivo pensado por e para mulheres drag queens para falar sobre nossa jornada, nossos obstáculos no meio drag e reafirmar nossa arte. Nessa edição do Boteco vamos contar com a participação da Cherry Pop e Ginger Moon.

Cherry Pop
Drag Queen, burlesca, glitterrorista, sideshow freak. Ela vem para te tirar da zona de conforto. Drag Queen há dois anos, envolvida com a militância gorda, feminista e LGBT, usa a arte misturada com a política em seus números.

Ginger Moon
Drag Queen paulistana, coreógrafa do coletivo Riot Queens, atriz e que usa a sua luta contra gordofobia e estereótipos de mulher nas suas performances.

Draga da Quebrada
Carlos Luiz é interprete da personagem “Draga da Quebrada”. Formou-se em Letras pela Unesp e atualmente cursa Psicologia. Exagero puro, performa apenas músicas nacionais. Seu corpo é gordo, periférico e político, sua arte é resistência e persistência em mundo onde não se encaixam os que estão fora da “norma”.

Grupo Me Gusta
Grupo de Dança formado por dançarinas gordas que têm o objetivo de empoderar e estimular a autoestima de outras mulheres por meio de performances e atividades de dança. A formação atual conta com Jéssica Chamma, Joyce Cavichio, Luana Nazareth e Natália Haidamus.

Preta Rara
Joyce Fernandes, 32 anos, conhecida como Preta-Rara, é rapper, turbanista, professora de história e poetisa. Sua trajetória é marcada pela atuação e militância em movimentos negros e feministas. Nascida em Santos, no litoral de São Paulo, Preta-Rara começou a fazer rima aos 12 anos de idade. Suas músicas falam sobre empoderamento feminino, racismo, machismo, gordofobia e relacionamentos amorosos. Lançou seu primeiro disco “Audácia” em outubro de 2015. Tornou-se porta-voz das empregadas domésticas no Brasil depois de criar a página “Eu Empregada Doméstica” no Facebook.

Karina Zonzini
Gestora de projetos sociais, proficiente em Libras, especialista em educação inclusiva e políticas da educação, Karina Zonzini trabalha para assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos das pessoas com deficiência. Mantém a ONG Surdo Mundo.

Rachel Patricio
Rachel tem 33 anos. Ativista pela luta anti-gordofobia e ex-estudante de Nutrição da Unifesp, acredita que peso não define saúde e bem estar.

Karina Beraldo
Designer e ilustradora formada em Desenho de Moda, trabalha como designer têxtil há mais de 10 anos. Mistura técnicas fluidas como aquarela e bico de pena com desenho na criação de figuras, principalmente femininas, com formas sensuais além dos padrões corporais dominantes, inspirando-se nas estéticas tribais, figuras étnicas e linhas.

Júlia Rocha
Militante feminista, admiradora e escritora de poesia marginal. Colaboradora de pesquisas no site “Moda Sem Crise”, encontrou na arte de rimar uma forma de contribuir para a construção da autoestima da mulher gorda.

Constroem o Boteco da Diversidade na edição de agosto:

Idealização: Sesc Pompeia
Curadoria Compartilhada Flávia Durante e Sesc Pompeia
Produção Executiva Elaine Bortolanza
Assistente de Produção Heloisa Feliciana
Artistas e Ativistas Presentes Tati Yuki, Preta Rara, Riot Queens, Draga da Quebrada, Junior Ahzura, Grupo Me Gusta e Karina Zonzini.
Iluminação e Ambientação Cenográfica Cris Souto e Silvia Mokreys
Técnico de som e Roadie Duda Gomes e Dennys Vilas Boas
Identidade Visual (capa) Laerte
Texto Rachel Patricio
Ilustrações Karina Beraldo
Poema Julia Rocha
Revisão de Textos Regina Stocklen

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